Grafiteira afegã encara o front de guerra e luta contra o Talibã

Shamsia Hassani ilustra mulheres nas ruas de Cabul como símbolo de luta e resistência.

Lucas Martins
4 min readSep 4, 2021

Após a retirada das tropas norte-americanas de Cabul, instaurou-se na capital a sensação de medo e aflição. O Talibã voltou a ver a região como terra fértil para seus mandos e desmandos e, portanto, a população local tornou-se a principal vítima do poder paramilitar afegão.

Entre os barulhos de arma, vozes de desespero e a desordem social, observam-se, no meio da cidade, muros coloridos. Ora com cores vivas, ora carregadas de tons de luto, ora tomadas pelo clima acinzentado da guerra, essas construções trazem a arte e resistência de Shamsia Hassani, primeira grafiteira e artista de rua do Afeganistão.

Natural do Irã e conhecida internacionalmente há algum tempo, a artista e professora universitária dialoga com os indivíduos do planeta, por meio de suas figuras, explicitando a necessidade do rompimento com a opressão imposta às cidadãs do Afeganistão. Sua luta ativa contra o Talibã e o Estado Islâmico é espelhada em suas produções que pedem, acima de tudo, paz e misericórdia.

SHAMSIA HASSANI (FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)
(FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)

Hassani parece carregar, na arte e no grafite, gritos de resistência e pedidos de socorro. Gritos esses que as personagens de suas ilustrações estão impedidas de dar, pois são, quase sempre, silenciadas. Nos grafites, Shamsia não ilustra as bocas das mulheres desenhadas, como uma tentativa de representar o silenciamento e a opressão que o sistema do Estado Islâmico impõe às afegãs. As personagens das obras estão, também, na sua maioria, com os olhos cerrados e chorando. Em uma entrevista, a grafiteira informa que “Seus olhos estão fechados porque normalmente não há nada de bom a ser visto, nem mesmo seu futuro. Mas isso não significa que não possa ver”. A professora universitária conota, assim, que o luto e desamparo das mulheres de Cabul são percebidos e vividos por elas, sem alguma alienação.

Em sua mais recente publicação na página do Instagram, no dia 01/09/2021, Shamsia mostrou mais uma obra da série de ilustrações baseadas nas notas do dólar americano, explicitando como a partida dos EUA e o abandono do apoio militar à capital afegã afetava, diretamente, a integridade das mulheres e meninas da região.

OBRA DE SHAMSIA HASSANI (FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)
OBRA DE SHAMSIA HASSANI (FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)

Além disso, devido à atual ocupação do Cabul pelo Talibã, a vida não só de Hassani, como as de outras milhares de mulheres está em risco. Isso, pois, com a instalação das tropas na capital, teme-se que as cidadãs percam seus direitos e vivam sob condições de extrema opressão.

Recentemente, o vídeo de um avião decolando do Afeganistão com pessoas agarradas às suas asas, tentando fugir do país viralizou na internet e ganhou a atenção mundial. Com a notoriedade da problemática afegã, o agente de Shamsia foi questionado sobre a segurança da ativista e informou ao veículo de comunicação alemão Deutsche Welle que a grafiteira não estava aberta à entrevistas, mas estava segura em um lugar não informado.

Assim, diante do caos promovido pelo Talibã, a grafiteira precisou se isolar, a fim de proteger sua vida. Seu estúdio, lugar que facilita a produção da artista, visto que há, também, certa dificuldade de criar sua arte na rua devido aos resquícios da insegurança, infelizmente não pode mais contar com a sua presença enquanto sua vida estiver em risco.

A professora universitária, entretanto, segue produzindo sua arte com caráter de denúncia e publicando-a nas redes.

OBRAS DE SHAMSIA HASSANI (FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)

Durante uma conversa em 2016, Hassani disse que “Algumas pessoas pensam que a arte não é permitida no islã e acreditam que têm que me deter. Quando muitas mentes conservadoras se reúnem, elas são muito poderosas e podem fazer qualquer coisa”. Samshia, portanto, ao continuar produzindo seu ativismo, assume um lugar no front da guerra entre o Talibã e as resistências locais.

Sua batalha, no entanto, não é feita com armas de fogo ou químicas. Para ela e pelo que observamos nas suas obras, a maior luta é a que utiliza instrumentos musicais, tintas, sprays e a possibilidade de livre expressão artística nos espaços urbanos.

Para Samshia, a arte é o que pode dar voz às mulheres, transformar o Islã e resgatá-lo das atrocidades do Talibã.

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